O vento assobiava entre as colunas partidas do velho casarão, levantando nuvens de poeira que dançavam sob o luar pálido. A casa, isolada no alto de uma colina cercada por ciprestes retorcidos, era conhecida na vila como a Casa dos Holloway, um nome que os habitantes locais pronunciavam com respeito e temor. Diziam que ninguém permanecia ali por mais de uma noite sem enlouquecer ou desaparecer.
Foi para essa casa que a família Morel decidiu passar o outono de 1912, fugindo de rumores e de um passado que insistia em persegui-los. O patriarca, Thomas Morel, era um homem de meia-idade, alto, de olhos fundos e expressão sempre tensa. Sua esposa, Margaret, mantinha um ar de serenidade artificial, como quem se esforça para esconder o medo. A pequena Lydia, de apenas nove anos, era curiosa e destemida — e, talvez por isso, a primeira a ouvir os sussurros que vinham das paredes.
Acompanhava-os Edgar Finch, um homem pálido, que dizia ser amigo de longa data da família. Finch era medroso e supersticioso, e sua presença ali parecia motivada mais por culpa do que por afeto. Dias depois, chegaria à mansão o detetive Jonathan Hale, enviado a pedido de um advogado de Londres, encarregado de investigar antigas denúncias ligadas à propriedade.
A carruagem avançava pela estrada enlameada, e Lydia observava as árvores se inclinando, como se sussurrassem segredos. Quando o casarão surgiu à vista — imenso, coberto de heras e sombras —, ela apertou a mão da mãe.
— Mamãe… essa casa parece viva.
Margaret sorriu com esforço.
— É só o vento, querida. Casas antigas têm alma, apenas isso.
Mas o vento naquela colina parecia respirar.
Durante o jantar, a casa estalava como se estivesse observando. As janelas tremiam sem motivo e, em certos momentos, Thomas jurava ver sombras cruzando os corredores. Edgar Finch, visivelmente nervoso, bebia sem parar, e dizia a meia voz que “o sangue ainda estava ali”. Ninguém lhe deu atenção — até a meia-noite.
Foi quando Lydia, sozinha no corredor, viu pela primeira vez a mulher de branco. Ela flutuava a alguns centímetros do chão, o rosto coberto por um véu rasgado, e o vestido antigo manchado de algo escuro. A mulher não falava, mas sua presença era acompanhada por um frio que fazia as velas apagarem. Lydia não gritou; apenas observou, imóvel, até que a figura se desfez em névoa.
Quando contou à mãe, Margaret empalideceu. Thomas, irritado, ordenou que ninguém mais mencionasse aquilo. Mas Jonathan Hale, o detetive, chegou na manhã seguinte, trazendo consigo um velho dossiê sobre os Holloway — e o silêncio acabou.
Hale explicou que a casa pertencera a Sir Alaric Holloway, um nobre excêntrico conhecido por experimentos de magnetismo e comunicação com os mortos. Em 1873, toda a família Holloway desaparecera misteriosamente, deixando apenas o diário do patriarca, repleto de frases desconexas sobre “o eco da alma” e “as vozes do porão”.
Enquanto falava, o detetive notava que Margaret desviava o olhar — como quem já conhecia parte daquela história.
Na terceira noite, Thomas foi encontrado no jardim, olhando fixamente para o lago. Disse que ouvira seu próprio nome sussurrado na água. Finch recusou-se a dormir e trancou-se no quarto, rezando baixinho. Hale decidiu investigar o porão, onde o ar parecia mais pesado, impregnado de mofo e ferro. Lá, entre caixas antigas, encontrou símbolos riscados nas pedras e uma pequena caixa de ferro trancada.
Ao abri-la, descobriu um medalhão com o brasão dos Holloway e, dentro dele, um retrato de uma mulher idêntica a Margaret Morel.
A revelação caiu como uma maldição. Margaret confessou que era descendente direta de Alaric Holloway, e que a casa havia sido herdada em segredo. Mas havia algo pior: os Holloway acreditavam que suas almas estavam presas na propriedade, aguardando um “portador de sangue” para libertá-las. E esse portador, segundo antigas cartas, seria sempre o primogênito da linhagem.
Thomas empalideceu.
— Lydia…
A menina, naquela hora, estava no sótão, ouvindo vozes chamando seu nome.
O sótão era vasto, cheio de retratos cobertos por panos. Lydia caminhava entre eles, sentindo que as sombras se moviam. Parou diante de um espelho oval e, por um instante, viu não seu reflexo, mas uma sala diferente — cheia de pessoas com roupas antigas olhando para ela. Entre elas, a mulher de branco.
— Por que me chamam? — perguntou.
Uma voz respondeu de dentro do vidro:
— Porque você é a última de nós.
O espelho se estilhaçou, e um grito ecoou pela casa.
O detetive Hale correu, seguido de Thomas e Finch. Encontraram o sótão vazio, mas no chão havia pegadas de mãos, como se alguém houvesse rastejado do espelho para fora. De repente, Finch começou a rir descontroladamente, apontando para um dos retratos.
— Eles estão todos aqui! Olhem! Eles nunca foram embora!
O retrato mostrava os Holloway… mas agora havia quatro rostos novos: Thomas, Margaret, Lydia e Finch.
Hale sacou sua arma — inútil contra o que via. O retrato pulsava, e uma voz vinda das paredes sussurrava:
— O sangue volta para o sangue.
Margaret desmaiou. Finch correu escada abaixo, tropeçando, até que uma porta se fechou sozinha e ele foi engolido pela escuridão. Seus gritos ecoaram até o amanhecer.
Hale tentou sair com Thomas e a menina, mas as janelas não se abriam, e o vento soprava de dentro para fora. A casa os mantinha presos. Lydia, pálida, dizia ouvir a mulher chamando do porão.
— Ela quer que eu desça… — murmurava. — Diz que é minha mãe de antes.
Hale tentou impedi-la, mas a porta do porão abriu-se sozinha, e uma escada coberta de velas acesas descia até o breu.
Lá embaixo, a mulher de branco os esperava. E à sua volta, dezenas de sombras humanas os observavam em silêncio. Margaret, desperta, juntou-se a eles, chorando.
— Alaric… eu sinto muito.
A mulher levantou o véu. Não havia rosto — apenas vazio.
Uma voz antiga ecoou por toda a casa:
— O ciclo precisa ser completo.
O chão tremeu. Hale tentou correr com Lydia nos braços, mas as paredes começaram a se fechar. Thomas caiu, agarrado por braços que saíam do chão. Margaret se entregou à névoa. Lydia gritou o nome da mãe — e, de repente, tudo silenciou.
Quando a polícia chegou, dias depois, encontrou a casa vazia. Nenhum sinal da família Morel, nem do detetive Hale. Apenas o diário do investigador, aberto sobre a mesa do escritório:
“A casa não é apenas assombrada — ela é viva.
Alimenta-se dos que carregam seu sangue.
E agora ela tem uma criança.”
Na última página, uma mancha de tinta — ou sangue — formava o contorno de uma mão pequena.
Meses se passaram. A casa foi lacrada. Mas às noites, os aldeões juram ouvir risadas infantis vindas da colina, seguidas de uma voz feminina cantando em sussurros:
“O sangue volta para o sangue… o eco nunca morre.”