Fronteira 51

O Relógio da Meia-Noite: O Mistério de um Objeto que Controlava o Tempo

a esquina esquecida de uma rua da cidade, existia uma loja de antiguidades que parecia invisível para a maioria das pessoas. As janelas estavam sempre cobertas por uma camada espessa de poeira, enquanto a placa de madeira, já desbotada pelo tempo, rangia e balançava ao sabor do vento, como se reclamasse por ainda resistir. O local exalava um cheiro forte de mofo e ferrugem, mas, ao mesmo tempo, carregava uma aura magnética. Era como se cada objeto guardado ali possuísse uma história secreta, talvez até sombria, que jamais deveria ser revelada.

Daniel, um jovem colecionador amador apaixonado por relíquias antigas, não conseguia resistir a lugares como aquele. Ele acreditava firmemente que cada objeto tinha uma alma, como se fosse um recipiente de memórias de antigos donos, carregando ecos de vidas já apagadas. Dessa forma, sempre que avistava uma loja de antiguidades, não hesitava em entrar, movido pela curiosidade e pelo desejo de encontrar algo que o conectasse ao passado.

Naquele dia nublado, caminhando distraído pelas ruas silenciosas, Daniel teve sua atenção capturada por algo dentro da vitrine daquela loja esquecida. Entre espelhos rachados, bonecas de porcelana com olhares vidrados e livros de capa gasta, havia um objeto que se destacava: um relógio de mesa de madeira escura, com entalhes delicados e números romanos gravados em ouro já quase invisível.

Imediatamente, uma sensação estranha percorreu seu corpo. Ele não sabia explicar o motivo, mas aquele relógio parecia chamá-lo. Era como se um fio invisível o puxasse para mais perto.

O Encontro com o Antigo Dono

Daniel empurrou a porta pesada da loja, e o sino tilintou com um som agudo, quase como um grito contido. O ambiente interno era ainda mais desconfortável. O ar estava pesado, frio, e o tique-taque abafado de dezenas de relógios espalhados criava uma sinfonia desordenada que parecia penetrar fundo na mente.

— Boa tarde… — disse Daniel, quase em um sussurro.

Do fundo do corredor, surgiu o dono da loja. Era um homem alto, de cabelos brancos ralos e olhos profundos que pareciam enxergar além da realidade visível. Ele caminhava lentamente, apoiado em uma bengala de madeira, mas sua presença era imponente. Havia algo de ameaçador nele, como se carregasse segredos que ninguém gostaria de ouvir.

— Esse relógio… — Daniel apontou para a peça na vitrine. — Quanto custa?

O velho parou, encarando-o em silêncio. Seu semblante endureceu, e por alguns segundos parecia decidir se deveria ou não responder.

— Esse relógio não está à venda.

Daniel franziu a testa. — Mas ele nem funciona — insistiu, tentando disfarçar o arrepio que percorria sua espinha.

O homem inclinou-se levemente e, em tom baixo, respondeu:

— Funciona, sim. Só que não como você imagina.

Aquelas palavras ficaram gravadas na mente de Daniel. Ele forçou um sorriso, fingindo não se importar, mas saiu da loja carregando um peso estranho no peito.

A Volta à Loja

Durante toda a tarde, não conseguiu parar de pensar no relógio. Algo nele parecia chamá-lo de volta. Era como se o objeto tivesse uma presença viva, esperando por alguém disposto a despertar seu verdadeiro propósito.

Portanto, já de noite, incapaz de resistir, Daniel retornou à loja. Para sua surpresa, encontrou o relógio sobre o balcão, sem cadeado, sem vitrine, exposto como se estivesse esperando por ele.

Curiosamente, não havia sinal do dono da loja. O silêncio reinava, quebrado apenas pelo estalar ocasional da madeira velha do lugar.

Sem pensar muito, Daniel pegou o relógio. O objeto era mais pesado do que parecia, como se guardasse dentro de si algo muito mais denso que engrenagens comuns. Ele saiu rapidamente, com o coração acelerado, e levou o relógio para casa.

O Relógio em Casa

Colocou-o sobre a mesa da sala, observando-o com fascínio. Passou os dedos sobre os números romanos já gastos, sentindo a textura áspera da madeira antiga.

— Vamos ver se você ainda tem vida… — murmurou, tentando dar corda.

Assim que girou a chave, os ponteiros começaram a se mover sozinhos. Primeiro lentamente, depois em um giro rápido e vertiginoso, até pararem de forma brusca, marcando meia-noite em ponto.

O tique-taque ecoou alto, profundo, como se cada batida fosse um trovão abafado. O coração de Daniel acompanhava o ritmo frenético. E então, de repente, tudo ficou silencioso.

O Mundo Congelado

Daniel olhou ao redor. Não havia mais barulho de carros na rua, nem o som de insetos, nem o vento contra as janelas. O mundo parecia ter sido engolido por um vazio absoluto.

Assustado, foi até a janela. Do lado de fora, a rua estava congelada. Um cachorro permanecia suspenso no ar, congelado no instante em que pulava uma poça. Carros parados no meio da via, pessoas fixas na calçada, com expressões interrompidas em plena ação.

O tempo havia parado.

Um frio percorreu seu corpo, mas logo uma sensação de poder tomou conta de sua mente. Ele era o único capaz de se mover naquele novo mundo imobilizado.

No começo, sentiu-se invencível. Caminhou pela sala, abriu portas, mexeu em objetos, riu de situações absurdas das pessoas congeladas na rua. Uma senhora tinha uma sacola suspensa no ar, com frutas imóveis em pleno voo. Um ciclista estava parado no meio de um movimento de pedalada.

Era fascinante e perturbador ao mesmo tempo.

O Reflexo na Vitrine

Enquanto explorava aquele universo parado, Daniel parou diante de uma vitrine iluminada pela luz fraca da lua. Ao se aproximar, percebeu seu reflexo no vidro. Porém, algo estava errado.

Seu reflexo não estava congelado. Pelo contrário, movia-se sozinho.

Daniel deu um passo para trás, mas a imagem permaneceu imóvel. Em seguida, lentamente, o reflexo começou a sorrir. Era um sorriso largo, distorcido, cheio de malícia.

Então, o reflexo levantou a mão e bateu contra o vidro. O som reverberou na rua silenciosa, como um trovão em um mundo de silêncio absoluto.

Daniel sentiu o sangue gelar. O reflexo estava tentando sair.

A Expansão do Mistério

A partir daquele momento, a vida de Daniel jamais voltou a ser a mesma. O relógio não apenas parava o tempo, mas também revelava um lado oculto da realidade, onde ecos distorcidos da própria existência se manifestavam.

Em noites seguintes, sempre que a meia-noite chegava, o relógio disparava sozinho. E, com ele, o mundo congelava novamente. Daniel começou a usar o poder para explorar segredos das pessoas, mexer em lugares proibidos e satisfazer sua curiosidade.

No entanto, a cada noite, o reflexo voltava, mais forte, mais presente. Ele não apenas sorria. Agora, batia contra vitrines, portas, janelas e até mesmo espelhos de sua própria casa. Era como se quisesse tomar o lugar de Daniel.

Além disso, o jovem começou a perceber que o relógio estava mudando. Seus ponteiros às vezes giravam para trás, os entalhes na madeira pareciam se mover como veias vivas, e o som do tique-taque soava cada vez mais como um coração pulsando.

A Maldição do Relógio

Pesquisando em antigos livros e jornais, Daniel descobriu fragmentos de lendas sobre um Relógio da Meia-Noite. Dizia-se que ele havia sido criado por um relojoeiro obcecado em aprisionar o tempo. Contudo, ao tentar manipular as engrenagens da eternidade, teria perdido a própria alma, aprisionada para sempre dentro do objeto.

O relógio, portanto, não era apenas uma relíquia. Ele era um portal para uma realidade distorcida, onde reflexos e sombras buscavam liberdade.

A Noite Final

Em sua última experiência, Daniel decidiu enfrentar o reflexo. Deixou o relógio girar, esperou o mundo congelar e se posicionou diante de um espelho.

Seu reflexo apareceu imediatamente. Desta vez, não havia sorriso. Havia apenas olhos famintos.

O vidro tremeu. O reflexo avançou. E então, Daniel sentiu uma força puxando-o para dentro do espelho.

Seu grito ecoou na sala vazia, mas ninguém ouviu. Do lado de fora, apenas o relógio continuava a marcar o tempo… parado na meia-noite eterna.

Conclusão

“O Relógio da Meia-Noite” é mais do que uma simples história de terror. É um conto sobre o desejo humano de controlar o tempo, sobre a curiosidade que ultrapassa limites e sobre o preço de mexer com forças além da compreensão. Assim, ele nos lembra que nem todos os mistérios devem ser desvendados.

🔮 Continua…

56