Fronteira 51

O Enigma do Casarão da Rua das Flores - Parte 2: A Verdade Vinda das Sombras

A pequena equipe improvisada de moradores, liderada por Isabela, observava em silêncio o que a terra, por mais de meio século, guardara. O corpo de Cecília, ainda com o vestido da fotografia, jazia em uma cova rasa, testemunha silenciosa de um crime brutal. Mas a descoberta do corpo era apenas a metade da verdade. A outra metade, a mais terrível, estava oculta nas últimas páginas do diário de Cecília e na história que ninguém em Vila Serena ousara contar.

Isabela, com as mãos trêmulas, folheou as últimas páginas do diário, a tinta desbotada da caneta da pianista revelando uma confissão de medo e esperança. A data da última anotação era a mesma da noite de seu desaparecimento. Cecília falava de seu plano de fuga, de sua excitação em finalmente se encontrar com seu amado no porão, o ponto de partida para a liberdade. Mas o que se seguiu não foi uma fuga.

"Ele sabe. Ele descobriu nossas cartas. Eu o ouvi descendo a escada... Ele me proibiu de ir. O baú está trancado. Ele disse que meu amor era uma vergonha para a nossa família. Oh, que Deus tenha piedade de minha alma, pois o olhar em seus olhos não é o de um irmão, mas de um juiz..."

A caneta de Cecília havia rabiscado a palavra "irmão" com um traço forte, quase perfurando a página. O assassino não era um rival amoroso ou um criminoso anônimo, mas alguém de seu próprio sangue: o seu irmão, o herdeiro da família Alencar, cujo nome Isabela não pôde decifrar naquelas linhas desesperadas. Ele a havia confrontado no porão, no exato ponto de encontro, para impedi-la de manchar o nome da família com um amor considerado impróprio. Em um acesso de fúria, ele a matara ali mesmo, e a enterrara às pressas, escondendo o crime com a farsa da fuga.

O diário terminava ali, mas a história não. Determinada a encontrar a verdade completa, Isabela voltou à casa de registros. Cruzou o nome da família Alencar com a data do desaparecimento de Cecília. E lá estava: o nome do irmão, Fernando Alencar. Ele havia herdado o casarão e, com o tempo, o abandonara. Os registros de sua morte, anos depois, não mencionavam sua causa, apenas que ele se mudou para longe e jamais retornou.

Isabela procurou a casa de um dos moradores mais antigos que havia conversado, um senhor de oitenta anos que viveu na Rua das Flores a vida inteira. Com a confiança de ter desvendado a verdade, ela perguntou sobre Fernando Alencar, mencionando o desaparecimento de sua irmã.

O velho homem, com lágrimas nos olhos, pegou um baú empoeirado e retirou de lá um envelope. "Eu era o único amigo dele, senhora. Antes de partir para sempre, ele me deu isso, e disse para eu entregar a quem, um dia, trouxesse à tona a verdade. Ele viveu o resto de sua vida com o peso de seu pecado."

Era uma confissão póstuma, deixada por Fernando Alencar. Na carta, ele revelava o terror de ter matado a própria irmã para "salvar a honra da família". Ele narrava como o amor de Cecília o enfurecera e como, em um momento de descontrole, a confrontou com uma pá no porão, decidindo que ela jamais deixaria a casa. Ele a enterrou e trancou tudo, deixando para trás não um lar, mas um túmulo. Sua vida foi consumida pela culpa e pela solidão, incapaz de voltar ao local de seu crime. O Casarão da Rua das Flores, na verdade, era a prisão da alma de Fernando.

Isabela leu a carta, e a dor de Cecília parecia ecoar nas palavras de seu irmão. O mistério que pairava sobre o casarão não era de um fantasma assombrando a casa, mas sim de um homem assombrado por sua própria culpa, que nunca mais teve paz.

Com a carta em mãos, a jovem historiadora entregou tudo às autoridades. O caso foi reaberto e a justiça, ainda que tardia, finalmente foi feita para Cecília Alencar. A alma da pianista, silenciada pela violência, agora podia descansar em paz, e o Casarão da Rua das Flores, outrora um símbolo de mistério e medo, se tornou um monumento à verdade e à persistência.

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